29 de outubro de 2014

Resenha do Filme: Dois Dias, Uma Noite

Por Eripetson Lucena

O cinema dos irmãos Dardene sempre me ofereceu poucas opções que não fosse me emocionar diante das sucessivas e efetivas investidas de humanizar temáticas de forte cunho social. Ken Loach faz isso muito bem também, mas há algo na obra dos irmãos belgas que me pega pelo calcanhar. A estrutura dos filmes dos Dardene é tão simples, crua e direta (o que de forma alguma implica em abrir mão de uma sofisticação estilística e tão pouco de narrativa) que eles se sustentam basicamente no poder de condução dos dois maestros e nas interpretações.

Parece que, a exemplo dos filmes últimos de Malick, os outros elementos são coadjuvantes e estabelecem uma organicidade poderosa, para somar ao resultado que parece mínimo, mas que se abre em camadas outras se não tanto de subjetivação (como nos filmes do diretor americano citado), mas em uma austeridade arrebatadora. “Two Days, One Night” é tão denunciador desse modus-operandi que parece um laboratório: um drama pessoal que acena ao fortíssimo conteúdo de denuncia social, tema recorrente na obra dos cineastas, que aqui, em detalhes e figuras elegantes, diz do mal estar social por que passa os belgas médios (exemplo da sequencia em que, sem anúncios didáticos, a personagem central visita uma imigrante ilegal com um bebê nos braços, o marido no trabalho clandestino, outro filho pequeno lhe atendendo um favor e ela impossibilitada de tocar a campainha devido ao corte de energia elétrica), atuações extraordinárias e roteiro cujo esqueleto são diálogos cuja função é prioritariamente dialógica, de tão incisivo.

Esta tríade, indivisivelmente explorada na obra dos belgas, parece se mostrar neste “Two Days, One Night” com uma perfeição e precisão cirúrgica. O filme tem ares de um épico as avessas, uma típica “aventura” da contemporaneidade, onde o Hercules tem que elaborar um plano que o ponha novamente no emprego ameaçado, mas também equilibre as demandas do dia-a-dia com a saúde mental. Parece pouco até você sentir a agonia e o embate visceral do texto dos Dardene personificado na interpretação antológica de Marion Cottilard. A intensidade dramática, sempre em crescente, como um thriller, toma proporções de montanha russa, na atuação da atriz. A soberba construção da Sandra de Cotillard, desemboca em um milimetrismo não menos que hipnotizante, quando, por exemplo, ela contempla a preocupação inócua do marido diante de sua situação degradante e diz: “Eu não existo”. Poucas atrizes em atividade, diriam tal sentença, sem comprometer.

A precisão de Cotillard, seu equilíbrio entre as doses de fisicalidades , entonação e expressões faciais, elabora um conjunto impressionante que eleva o valor artístico de uma obra como esta a níveis de estratosfera. A maior atriz do mundo. Diante de tanta plausibilidade, o filme dos irmãos Dardene é um drama poderoso, conectado com as mazelas do mundo e que incrivelmente dialoga com as outras suas obras. E a gente nunca se cansa deles.

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