26 de fevereiro de 2014

Resenha do Filme: Ela

Por Eripetson Lucena

Coube a Spike Jonze entregar o que talvez se convencione chamar de o drama romântico da pós-modernidade. O cineasta sempre revestiu suas obras de um frescor absolutamente necessário ao fim de século e inicio de era, labor essencial que torna cinema uma arte relevante e isso o credencia a elaborar uma obra como “Her” sem causar maiores sobressaltos ou arroubos aos espectadores menos desavisados.

Mas, o seu novo rebento esta imbuído de uma contemporaneidade lívida, que não se alardeia pelo fato de contar a historieta de amor entre um humano e um sistema operacional, mas elabora este absurdo com uma verossimilhança espantosa e um senso de normalidade ultrajante. Sim, parece que, na imaginação e na escrita de Jonze, guardadas as devidas proporções de disparidades das mídias utilizadas, o realismo fantástico de Garcia Marques, que imaginou sua Macondo de tipos humanos e assunções aos céus encontra-se ao torpor visionário de Asimov. Claro que estou a disparatar nas comparações, mas não há como ver “Her” incólume e não tratar seu criador com superlativos.

O que é o Theodore de Phoenix senão o amalgama dos tipos pós modernos, encerrados numa solidão ancestral que somente se pulveriza diante do apelo das tecnologias, cada vez mais presentes em nossas vidas, invasivas, humanizadas, ladras convictas de nosso tempo, atenção e, por que não, segundo a tese de Jonze, do nosso amor? Pois que o absurdo da premissa de um homem tendo um relacionamento amoroso com um sistema operacional se dilui convincentemente diante dos serenos recursos narrativos que conferem esta leveza e ao mesmo tempo densidade as várias etapas do enlace de Theodore e Samantha, de forma que se torna corriqueiro esquecer quem não está dotado de corpo, sangue e órgãos na relação.

Parece que este é o (óbvio) objetivo do roteiro: humanizar a máquina. Mas será que é (só) isso? Será que o nível espetacular de entrega de Joaquin Phoenix na concepção do seu atormentado e solitário Theodore não nos informa para além do disparate de um amor por algo não humano? E o mesmo se aplica a uma performance das mais extraordinárias de uma voz, sem o apelo das fisicalidades, fazendo da atuação de Scarlet Johansson uma espécie de obelisco a ser referenciada.

A uma certa altura do romance, o Theodore de Phoenix, esmagado pela consciência do improvável relacionamento, pergunta estupefato a sua amiga vivida pela espetacular Amy Adams se nunca será capaz de viver um romance real?. Sem se sobressaltar em nenhum momento sequer ao saber do destinatário dos sentimentos do amigo, ela responde: E isto não é um romance real? Quando se coloca com esta naturalidade e distanciamento diante do absurdo em questão, a personagem atesta a teoria do texto milimétrico de Jonze de que, amor é amor, e o que operacionaliza o processo não é necessariamente o “receptáculo” mas o afeto investido. Agora ou no futuro, com máquinas hiperinteligentes ou não, a humanidade sempre vai esbarar na dor do amor (e da solidão).

“Her” acresce uma dose cavalar de afetividade ao universo fabulista de Spike Jonze, não poucas vezes afeito aos caos. Mas cá também estão presentes elementos primordiais de sua impressionante filmografia, que permitem identifica-lo como a mente inventiva que nos deu “Being John Malkovich”, mas o ex-diretor de clipes musicais nunca esteve tão introspectivo e humano, tecendo tão belamente sobre as relações trans-humanas.

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