25 de fevereiro de 2014

Resenha do Filme: Azul é a Cor Mais Quente

Por Eripetson Lucena

Por diversas vezes, enquanto via “Azul é a Cor mais Quente”, filme de Abdellatif Kechiche ganhador da ultima Palm D”Or em Cannes, remeti a obra-prima de Jane Campion, “O Piano”, um dos melhores filmes que já vi na vida. A razão foi a força da evocação tsunamica do poder do amor que havia me nocauteado no filme neozelandês e que ressurge com o seu poder atômico no filme do Tunisiano. Estes são préstimos do cinema: referenciar de forma tão contundente que o que é mostrado na tela torna-se um espelho mais ou menos fidedigno das experiências humanas as mais variadas.

No caso de “Azul...”, a relevância do que a câmera testemunha sobre o amor ganha ares de uma contemporaneidade quase que singular, visto que poucas vezes, foi testemunhada tanta sinceridade, honestidade e contundência aliados a um valor artístico extraordinário agregados na discussão do amor homossexual, um tema que tem mobilizado as mentes pensantes da sétima arte, mas que tem rendido esforços as vezes sofríveis. O nível de problematização em “Azul...” é de uma lucidez estarrecedora. Os dilemas são retratados de forma respeitosa e absolutamente relevante, seja em âmbito particular, social e familiar.

O roteiro toca sensivelmente em todas essas frentes, o que chega a ser muitas vezes absurdo pra um filme só (mesmo um filme de 170 minutos de duração), mas a direção segurissíma, acetadissíma, sutilíssima, sensibilíssima dá conta de amarrar todos os nós, de elaborar todas as metáforas necessárias, de desfilar todas as elegantes elipses de tempo que contam suavemente a passagem dolorosa dos meses (cortes e cores de cabelo, falas soltas, sentenças deliberadas, tudo isso é usado belissimamente como relógio por Kechiche), de elaborar ate mesmo uma linearidade (que me incomoda em diversos outros filmes) eficiente, que não compromete a narrativa.

O legal é realmente, depois da sessão, compreender que o impacto fulminante de um filme como este não reside em absoluto nas alardeadas cenas de sexo entre as jovens protagonistas, famosas não só pelo desempenho espetacular das duas, mas pela personalidade Kubrikiana de Kechiche, que sai desta experiência laureado com a Palma mas com fama de tirano e opressor, isso dito a exaustão pelas próprias beldades Adèle Exarchopoulos e Lea Seydoux (conta-se que a famosa e gigantesca cena de sexo tomou 10 exaustivos dias das filmagens. Exarchopoulos disse em entrevista que não suportava mais fazer sexo pra cena). O que conta no fim das contas é a rigidez que livra a narrativa de ares irrealisticos de amor romantizado ou melodramatizados.

As duas personagens seguem um vetor cadencial que diz da evolução pessoal (especialmente de Àdele, que me parece o fio condutor da narrativa) e do relacionamento amoroso. As aguas nunca são abrandadas, já que desde o inicio encontramos uma Àdele envolta na tentativa de suavizar conflitos interiores ferozes envolvendo a sua sexualidade e as questões clássicas de (auto)aceitação e colocação, problemáticas presentes até mesmo em sociedades como a Francesa, cujo bastianato de causas contemporâneas ruiu um pouco com os recentes manifestos de milhões que saem as ruas de Paris manifestando-se contra o casamento gay. A mim, o filme nada tem de panfletário. Muito pelo contrário: a sua relevância e universalidade reside na forma como trata o amor real, num mundo diverso, mas avesso, cheio de possibilidades, mas castrante.

Os elementos que operacionalizam a dinâmica do relacionamento de Emma e Àdelle podem ser, com algumas pouquíssimas e contemporâneas exceções, aplicados às relações heterossexuais, o que torna a temática explorada contundente, mas não desnecessária. Uma obra especialíssima sobre amor, desilusão e desencontros. Ou seja, não é somente sobre um casal gay, é sobre a vida no século XXI.

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