24 de fevereiro de 2014

Resenha do Filme: Philomena

Por Eripetson Lucena

“Philomena”, novo trabalho do diretor inglês Stephen Frears é um filme bipartido que transita entre o apelo dramático de uma mãe em busca do seu filho e a denuncia dos abusos da Igreja católica irlandesa, protagonista de histórias funestas que, de tão cruéis soam inverossímeis. Peter Mullan já gritou do alto do seu polemico “The Magdalene Sisters”, Leão de Ouro em Veneza em 2002, as malevolências praticadas em nome de Deus que encontram ecos mais assépticos (mas não menos humanos) no filme de Frears, cujas concepções quase sempre foram muito engajadas com o cenário Britânico, desde questões tipicamente nacionais como em “The Queen”, a última vez que ele concorreu a um Oscar de melhor filme à sensíveis retratos do homossexualismo na ilha, vide “Minha Adorável Lavanderia”, acredito que a única vez que o cinema viu um Daniel Day-Lewis gay ( e convincentíssimo!). 

Um projeto desta natureza pode render filmes pavorosos. Explica-se: primeiro: a armadilha de enviesar a história no redemoinho volátil da moralidade, com mensagens dúbias de ideários cristãos que ninguém aguenta mais defender em filmes sérios; segundo: os clichês de um conto de sofrimento materno em busca de um filho perdido, que está exaurido nos filmes e que parecia sepultado pela horrível incursão de Clint Eastwood no tema em “A Troca”; terceiro: atuações caricatas que destroem roteiros bons ou muito boas que conseguem suavizar até dramalhão de TV Mexicana. 

Dizer que a atuação de Judi Dench é acertada é pleonasmo. Mas é inevitável não ressaltar momentos gloriosos do roteiro ganhando uma força primordial nas nuances da sua interpretação. Há embates delicadíssimos entre as “personas” de Philomena e do jornalista Martin, onde a simplicidade da primeira redunda quase sempre em um destilar de uma sabedoria que acaba por paralisar o personagem de Steve Coogar. E a sutileza desses momentos só são percebidas em sua riqueza e totalidade por causa da extraordinária atuação de Mrs. Dench, espinha dorsal da película. 

Há um debate em especial onde uma Philomena mobilizada pelo destino do filho nos Estados Unidos, deixa-se enredar pelas possibilidades que podem tê-lo acometido. Dentre elaborações funestas como ele ter sucumbido na guerra do Vietnan, ou virado um mendigo, ela particularmente se apavora com as chances do mesmo ser hoje um obeso dado as enormes poções servidas naqueles pais. Uma escrita tão sutil como esta encontra fotogenia vital no close do rosto sobressaltado de Judi Dench. Extraordinária. 

Outros momentos surpreendentes dão conta dos dilemas decorrentes da dor deliberada de ter cometido um “pecado” ao engravidar do namoradinho (razão pela qual isenta as malévolas freiras da culpa de haver sido separada do seu filho) em contradição ao sentimento admitido de ter gostado do ato sexual; ou mesmo da aceitação resignada da homossexualidade do filho. Benesses do roteiro, desaguando numa interpretação poderosa. Apesar da Philomena de Dench ser o fio condutor da narrativa, é o personagem de Coogar que parece ser mais afetado e perfazer mais notadamente esta trajetória da transformação. 

Este aspecto se personifica especialmente na indisposição pétrea de Martin de coadunar com a fé contida de Philomena, não redundando, no entanto na polarização maniqueísta ou mesmo na moralidade prosélita. Ele compreende que há virtudes no perdão, mesmo sem se converter à misericórdia e que há razões em se calar diante da injustiça, mesmo que ele se indigne ao extremo. Frears entrega uma direção linear, porém eficiente, principalmente com o uso eficaz do flashback, que acaba servindo bem a trama. No final, fica a nítida impressão de que alguns temas recorrentes podem ser atualizados com certo frescor em filmes como estes, que parecem não ter sido feitos pra denunciar e nem pra emocionar. Mas faz os dois com maestria.

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