12 de março de 2014

Resenha do Filme: Entre o Amor e a Paixão

Por Eripetson Lucena

Lembro bem o quanto, há anos, um filme canadense tornou-se um dos meus favoritos. Achei que passei um ano inteiro retornando a esta obra, fisgado e magnetizado pelo conjunto maravilhoso que ela representa. Ainda hoje, procuro obsessivamente resquícios de “O Doce Amanhã” na obra posterior do egípcio radicado no Canadá Atom Egoyan. Absolutamente sem sucesso. Um dos elementos estarrecedores naquele filme extraordinário era a atuação contida mas maravilhosa de uma jovem atriz chamada Sarah Poley. Ela contribui admiravelmente para adensar ainda mais o caldo já viscoso do filme de Egoyan, entregando uma humanidade amedrontada, consciente, verdadeira.

Tudo o que eu falei a respeito da atuação de Poley em “O Doce Amanhã” pode se aplicar tranquilamente a sua obra enquanto diretora. “Longe Dela” é um acontecimento cinematográfico dono de uma maturidade e sobriedade difícil de ver em obras de diretores mais experimentados. Ela, aí, já mostra perfeitamente a que veio, trabalhando um tema dificílimo como velhice e Alzheimer, de forma a não caricaturar ou melodramatizar o resultado. Filmaço. “Take this Waltz” traz mais uma vez Mrs. Poley destilando suas teses sobre a humanidade, desta feita, versando sobre vida a dois, sentimentos enrustidos, (in)sensibilidade, vidas destruídas pelas sutilezas das palavras, ações ínfimas, um negocio trucidante e maligno chamado cotidiano.

A maravilhosa Michelle Williams, numa atuação luminosa, contida, vital para o que a diretora pudesse alcançar um nível de dramaturgia absolutamente necessário para expressar a dor do seu texto (sim, Poley também escreveu a história) te conduz ao universo de uma dona de casa que se vê polarizada entre um casamento morno, mas que ela levaria adiante, me parece pelo resto da vida e o despertar de sentimentos contraditórios por um vizinho que acaba por representar, simbolicamente, em seu universo feminino, tão sutilmente danificado pela frieza também sutil do marido, uma figura dos encantamentos, das mistificações. Ela se divide, pois não se mostra quase nunca disposta a transformar em real o que parece tão agigantado em sua subjetivação.

O texto de Sarh Poley é de uma sinceridade gritante, estraçalhadora, humilhante. Revela, numa espontaneidade aterradora, o que a gente só diz dentro de casa, com as luzes apagadas. Ela grita na varanda! Ou seja, não é um texto fácil, que necessita de certa maestria para ser colocado dentro da linguagem cinematográfica de forma a comunicar suas sutilezas. Algumas sequências são de uma beleza inacreditáveis: quando os dois nadam na piscina a noite, palavras ali não são apenas desnecessárias, seriam excessos que estragariam a sequência. É dilacerante. É notável inclusive, como um visual de tanta cor, casinhas legais, uma vizinhança perfeitinha de subúrbio, consiga comunicar algo doloroso, conflitante. A maestria da diretora conduz esta estética para além das obviedades de filmes do gênero, mostrando inclusive, no meu entender, que a vida não precisa ser cinematográfica, perfeita, enquadrada nos padrões para ser vida. Na maioria dos casos, está fora dos enquadramentos, não obstante o universo exterior que se apresenta é o que garante as idiossincrasias que fazem a vida valer a pena ser vivida.

O talento de Williams é suficiente até pra salvar projetos medíocres, como foi o caso de “My week with Marilyn”. Aqui ele é um valor agregado a um conjunto bem resolvido, amarrado pelo senso de dor presente nas obras de Sarah Poley, mas de uma intensa beleza estética também, o que reafirma o talento e a sensibilidade da diretora canadense. Depois de ver “Take this Waltz” (simplesmente me recuso a mencionar o medonho, ridículo, condescendente e imbecil título em português) continuo fã do cinema de Sarah Poley, mais fã ainda de Michelle Williams e achando que o mundo é mal, mas que é bom estar por aqui de vez em quando.

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