5 de março de 2014

Resenha do Filme: Post Tenebras Lux

Por Eripetson Lucena

O cineasta Mexicano Carlos Reygadas já mostrou a que veio e o fato de realizar obras que beiram a incompreensão, utilizar recursos técnicos a serviço da estranheza e da desorientação não consegue pulverizar o vasto interesse da cinefilia, muito pelo contrário. Fato: o cineasta responde, para o bem ou para o mal, querendo ou não, achando bom ou ruim, pelo que existe de mais intrigante, evocativo, original, esquisito no cinema mundial, colocando o México neste mapeamento espontâneo da vanguarda de cinema autoral, ou seja lá como queriam nomear o que Reygadas concebe. Ao lado de nomes como David Lynch, Gaspar Noé ( argentino radicado na França) e Apichatpong Weerasethakul (o fabulista da Tailândia), Reygadas tem subvertido tanto o fluir normativo da linguagem cinematográfica, assim como a conhecemos, que sua importância (e a dos “malucos” citados acima) só será ponderada com precisão nas aulas das faculdade de cinema daqui a uns 60 anos.

"Post Tenebras Lux” já inicia com uma assombrosa sequencia que, dada sua beleza e esquisitice, parece reproduzir os ditames de um mantra criacionista, tudo professada por uma criança de pouca idade e aureado por uma geografia catastroficamente bela. Daí, salta-se sorrateiramente ao interior de uma casa. Quando abre-se uma porta, vemos um misto de demônio com fauno cintilante percorrer os cômodos carregando uma mala tão misteriosa quanto sua própria e esdruxula aparição. Em outro momento, em um corte abrupto e desconexo na narrativa, testemunhamos um jogo de rugby, cuja relação com a história do filme será para sempre um enigma a não ser que, por conta própria, metaforizemos a partida para dar sentidos outros, assim como ao fauno ou mesmo as paisagens idílicas do interior do México, lugar onde vive a família que costura a narrativa, mas que parece está ali só para não deixar o espectador ser assunto aos céus completamente.

Então, este casal rico e seus filhos, representam a cordinha sutil que Reygadas utiliza de vez em quando para puxar você de volta ao seu assento, seja de que altitude você esteja flutuando ou qual seja o nível do seu transe. A sensação de idílio inclusive é reforçada enormemente pela utilização em tempo integral de lentes que criam um foco central, formando um circulo de interesse e deixando o que esta fora do anel mas dentro do enquadramento da câmera embaçado e com imagem duplicada. Primeira vez na vida que vejo um cineasta utilizar deste recurso durante toda a extensão da película. O resultado é estranho, as vezes bizarro, mas quase sempre de uma beleza extraordinária.

Há um plano sequência, onde a família esta sentada numa praia que fez a fotografia de Barry Lindon, de Kubrick parecer Telletubies. Talvez o mais belo, artisticamente falando pedaço de fotografia feita pra um filme que meus olhos já viram. Não há como descrever tamanha beleza captada sem soar redundante. É ver pra crer. Reygadas também oferece um pouco do hard core presente em “Batalla en El Cielo” na ruidosa sequencia da sauna na França. Um verdadeiro choque, levando em conta que até a altura em que somos surpreendidos por este soco no estômago, o filme só tem mostrado sequências com paisagens oníricas e bucólicas. Este efeito devastador será provavelmente refeito na enigmática sequência final, algo de tão abruptamente surreal e cru ao mesmo tempo.

Quando sobem os créditos, você sente-se exatamente como o resultado visual do efeitos das distorções das lentes que fundem as pessoas com as pedras, as árvores, seus braços, pernas e cabeças. Você metamorfoseia-se com a obra, o que não é garantia nenhuma de pacificação com os resultados em sua mente. A luz depois das trevas do título pode vir tão luminosa que cega ao invés de alumiar. Arte boa faz isso mesmo. Reygadas parece fornecer evasivas para perguntas que não sabe quais são. E o legal é que funciona que é uma beleza. Estou absolutamente extasiado, estupefato, confuso e com um sorriso nos lábios. Um filme brilhante.

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