9 de março de 2014

Resenha do Filme: Pai e Filho

Por Eripetson Lucena

Tudo e nada é o que parece ser. Sorukov enevoa seus micros e macrocosmos de forma a chocar os incautos e convidar os iniciados e adentrar e ver além da superfície, exatamente como nos filmes do mestre Bergman, cineasta que, a tirar pelas estéticas e temáticas cultivadas, Sorukov parece ser devedor. Paulo Leminski disse certa feita que o que está na superfície, no entanto, é o mais profundo.

A sequencia de abertura de “Pai e Filho” talvez seja enganadora por se deter no close humilhante de uma boa aberta em êxtase orgástico. Não digo que o diretor usou do mecanismo para deliberadamente enganar o expectador, mas a essência da relação do título pode estar ali, ou pode não estar ou pode estar parcialmente ali, sendo esmiuçada em apenas uma das suas nuances. Filmes como os de Sokurov por vezes nos tiram o chão. E não falo apenas da beleza gráfica ou do choque (que foi a via escolhida, infelizmente, para tentar explicar “Pai e Filho”, acabando por desvirtuar totalmente a discussão em cima da película e a reboque, perde-se as camadas de conteúdo que o diretor destila para muito além da polêmica).

São os direcionamentos dados aos temas clássicos, que, como neste filme, são de vanguarda por que são acima de tudo iconoclastas. Não saberia dizer se esse aspecto está presente em toda a filmografia do diretor russo, mas aqui, em “Pai e Filho”, ele experimenta. Se em “Mãe e Filho” ele eleva à enésima potência a concepção de quadros em movimentos, tão oníricos que não se preocupa em absoluto com o senso de realismo não-presente no filme, aqui, em “Pai e Filho”, ele entrega-se a um experimentalimo temático, construindo um relacionamento entre pai e filho tão complexo que é impossível, em minha opinião, não recorrer a psicanálise a fim de trazer-lhe uma luz necessária às imagens de Sokurov, a custo de se correr o sério risco de cair em um reducionismo que não convém a nenhuma obra do universo Sorukoviano, quanto mais a esta.

Tudo nesta relação parece se equilibrar entre o sagrado e o desvirtuado, o efêmero e o duradouro, mas nunca entre o certo e o errado. Parece-me que os embates dos dois, pai e filho, consistem muito mais em encontrar cada um o seu caminho e isso implique um ao outro na trajetória. O pai, doente, melancólico (mas em nenhum momento vitimizado, caminho que Sokurov escolhe ao mostrar um ser atlético, ainda bem jovem, sem sinais maiores de deterioração, nem mesmo do tempo), o filho que luta pra encontrar seu caminho, mas está ainda esmagado pela consciência da influencia que exerce sobre o pai e do mesmo em seus fortuitos relacionamentos amorosos e de amizade.

Conceber um filme desta natureza é desafiador e difícil. Parece que a linguagem cinematográfica, por si só e somente ela, não é capaz de abraçar os entroncamentos que a história traz em seu escopo. Por isso, se não há disponibilidade de transcender, transgredir, lançar um olhar interdisciplinar na obra, é melhor desistir dela, pois somente os que se comprometem mais farão justiça a um filme como este, que até a superfície é difícil de digerir.

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